BASE TEÓRICA

A Anestesia O Corte e a Divulsão A Sutura Semiologia e Radiologia Cirurgia e Patologia

 

ANESTESIA

O texto a seguir foi adaptado do livro "Manual ilustrado de anestesia local aplicada à clínica odontológica " (1995), de Antonio Carlos Bombana.

A anestesia é a perda parcial ou total da sensibilidade, especialmente táctil e dolorosa. Didaticamente, as anestesias são classificadas de acordo com a área de aplicação do anestésico e com a técnica a ser utilizada. As anestesias podem ser de pequena ou de grande abrangência anatômica: anestesia terminal, anestesia regional, anestesia troncular.

 

Anestésicos locais

São substâncias químicas que, quando aplicadas localmente, determinam bloqueio temporário da passagem de impulsos nervosos, tanto de origem sensitiva, quanto de origem motora. A serviço da clínica odontológica, dispomos de diversas soluções anestésicas locais. Embora possuam diferenças entre si, determinadas por fatores como concentração, presença e tipo de agente vasoconstritor, elas derivam basicamente de reduzido número de sais, guardando duas propriedades fundamentais: hidrossolubilidade e lipossolubilidade. A hidrossolubilidade permite a difusão da droga através dos líquidos teciduais; já a lipossolubilidade propicia a penetração das substâncias através das membranas das fibras nervosas, cuja composição é sabidamente, lipoprotéica.

Os anestésicos locais mais empregados (lidocaína, prilocaína e bupivacaína) são solúveis em água e possuem pH fracamente ácido. Assim, é muito importante que o pH do meio tecidual esteja de fato neutro, o que não ocorre, por exemplo, no caso de uma inflamação, em que o pH do tecido fica ácido.

 

Alguns aspectos técnicos

Toda injeção deve ser lentamente aplicada. Tanto na penetração da agulha quanto na ejeção da solução anestésica, devem ser adotados movimentos suaves e contínuos. Lembre-se que o espaço a ser ocupado pela agulha e pelo anestésico será obtido através do afastamento dos
tecidos, e isso não deve, em situação alguma, ser feito de maneira brusca.

A efetiva ação anestésica é muito mais dependente da injeção tecnicamente precisa do que da droga empregada. O bloqueio anestésico da dor será tanto melhor e mais rápido quanto mais próximo da inervação que se quer anestesiar for depositada a solução anestésica.

o volume de anestésico a ser empregado em intervenções odontológicas é variável em função de um dos seguintes fatores:

  • Tipo de intervenção: se se trata de um extenso prepário cavitário, uma pulpectomia (retirada total da polpa dentária), ou apenas a anestesia de uma papila gengival para inserção de um porta-matriz.
  • Nível de sensibilidade do paciente: é uma variável notada com freqüência em clínica; alguns pacientes têm mais sensibilidade à dor que outros.
  • Presença e intensidade do processo inflamatório: o pH do meio, estando alterado (por exemplo, nos abscesso, o pH do tecido é ácido), interfere na ação da droga.

De maneira geral, há também uma relação direta entre o diâmetro da fibra nervosa e o grau de sensibilidade à anestesia. Assim, quanto mais delgada for a fibra nervosa, mais rapidamente se estabelecerá o bloqueio anestésico. A maioria dos impulsos caracterizadores da dor são transmitidos por fibras do tipo C, que são delgadas e amielínicas. Um exemplo comum desse tipo de fibra é encontrado nas terminações nervosas livres distribuídas por toda a extensão da polpa dental.

Boa parte das intervenções odontológicas praticadas em consultório demandam aplicações de menos de 1 ou até 2 tubetes de anestésicos (de 1,8 a 3,6 ml). Os casos mais complexos geralmente se resolvem com 3 a 5 tubetes, quantidade essa que está bem aquém dos limites de segurança para o paciente. 

A anestesia local adequadamente conduzida não traz grandes complicações. Essa segurança, entretanto, não descarta a necessidade de se conhecerem quais os sinais e sintomas decorrentes de eventuais alterações (patologias) que se manifestem diante do emprego dessas drogas, assim como qual a ação mais conveniente para o controle e restabelecimento da normalidade em cada situação. 

 

O CORTE E A DIVULSÃO

O corte

É a incisão ou a secção de um ou mais tecidos do organismo. A incisão deve ser feita, de preferência única (feita com movimento único, sem a passagem da lâmina no mesmo local mais de uma vez), com acesso preciso ao alvo desejado, causando o menor dano aos tecidos ou às estruturas da região. Para isso, alguns aspectos importantes devem ser considerados:

  • Irrigação sangüínea: a microcirculação do local deve ser mantida, para que a nutrição do tecido a ser trabalhado não seja debilitada. A irrigação insuficiente provoca, dentre outros fenômenos, necrose tecidual e dificulta a reparação.
  • Integridade tecidual: a incisão deve ser feita em linha única, tendo bordas regulares.

 

A Divulsão

É a interrupção da continuidade dos tecidos por intermédio da separação dos diferentes planos teciduais.

Os tecidos são divulsionados por instrumentos especiais, como tesouras rombas e espátulas de diversos tipos. A tesoura romba, aplicada com o auxílio da pinça de dissecção, é introduzida com as extremidades ativas fechadas, as quais são abertas na intimidade dos tecidos; a tesoura geralmente é retirada fechada do tecido.

Em cirurgia bucal, a divulsão é uma manobra cirúrgica muito usada. Na sindesmostomia, um dos passos da técnica exodôntica, faz-se a divulsão da gengiva inserida e dos ligamentos alvéolo-dentários com o auxílio do sindesmótomo. Já o uso da tesoura é restrito a algumas situações, não sendo comum o seu emprego nas divulsões das cirurgias de exodontia. 

 

A SUTURA

O texto a seguir foi adaptado do livro "Cirurgia odontológica para o clínico geral" (1988), de Carlos Gregori.

A sutura é uma ligação ou uma linha de junção tecidual feita após o procedimento cirúrgico, para reposicionamento das estruturas anatômicas que foram rompidas ou interrompidas. 

O termo "sutura" pode ser usado para designar tanto o material a ser utilizado como o método adotado.

As suturas devem ser feitas de modo que facilitem a reparação tecidual e permitam o restabelecimento da forma e da função tecidual. Para isso, alguns cuidados devem ser tomados, tais como:

  • assepsia: os tecidos não devem ser contaminados, necessitando, portanto, da utilização de instrumental e fios esterilizados;
  • tensão dos fios: deve ser adequada, para aproximar as bordas do tecido suturado, mantendo-as imóveis. Esse é um fator de extrema importância para se evitar o fenômeno da reparação por segunda intenção, o qual pode acontecer caso a sutura fique frouxa. Por outro lado, a tensão provocada pelos fios não pode ser excessiva, para que não cause danos na circulação local, com conseqüente morte tecidual (necrose).
  • disposição das bordas do tecido: as bordas devem estar frente à frente, com suas áreas cruentas em contato direto. Isso faz com que haja restabelecimento da microcirculação local.

Classificação das suturas

As suturas podem ser divididas em contínuas e descontínuas.

As suturas contínuas são aquelas em que o fio de sutura não é interrompido, em contraposição às suturas descontínuas, feitas com pontos isolados. As suturas descontínuas são mais adotadas em Odontologia devido à menor quantidade de fio que permanece no tecido e pelo fato de não se ter que refazer toda a sutura caso o fio se rompa.

Sutura Contínua Sutura Descontínua

 

Aspectos importantes da técnica de sutura

Para maior eficiência do procedimento, alguns passos importantes devem ser seguidos:

  • as bordas da ferida devem ser imobilizadas com o auxílio da pinça de dissecção;

  • o início da sutura deve se dar pela borda móvel da ferida pois, dessa maneira, permite o melhor reposicionamento do tecido; além disso, o centro das feridas ou os ângulos (nas anguladas) devem ser eleitos os locais dos pontos iniciais;

  • a agulha deve ser girada, com o auxílio do porta-agulhas, de acordo com a sua curvatura para não causar danos ao tecido.

  • o nó deve ser feito de modo que a tensão exercida por ele seja suficiente para impedir espaços vazios entre os tecidos;

  • o nó pode ser feito de formas diferentes (às vezes, sem o auxílio do porta-agulhas), variando de acordo com o tipo de fio a ser utilizado ou o local a ser suturado. Na cavidade bucal, os nós são feitos com o auxílio do porta-agulhas devido à restrição do campo cirúrgico.

Para mais detalhes, veja a técnica de confecção da sutura

 

SEMIOLOGIA E RADIOLOGIA

Semiologia

É a especialidade que estuda as variações dos sinais e dos sintomas, em busca de hipóteses de diagnóstico para identificar doenças. Está baseada na observação das variações de forma, cor, textura e consistência, bem como de sintomatologia (dolorosa ou de outra natureza, como por exemplo parestesia, ardor, prurido etc.).

As figuras abaixo ilustram alterações de cor e textura nas diferentes fases cadavéricas (degeneração tecidual post mortem) da perna de frango.

 

Presença de manchas avermelhadas na superfície cutânea, indicando a presença de áreas hemorrágicas. Esse membro, antes de ser manipulado, estava congelado. Provavelmente houve rompimento vascular devido à manipulação da peça, levando ao rompimento direto da parede vascular (é como se o vaso "quebrasse", já que sua elasticidade fica perdida no processo de congelamento).

 

Radiologia

Radiografias são imagens em duas dimensões, geradas pela interação dos raios X e dos tecidos, que representam as variações entre os tipos e a natureza das estruturas. São utilizadas para fornecer informações que não podem ser visualizadas através da superfície, sendo úteis para diagnóstico de doenças e para localização das diferentes estruturas.

A aparência de qualquer estrutura em uma radiografia, em termos de tonalidade, é importantíssima para sua interpretação. 

O termo "radiolúcido" é usado para descrever uma estrutura que se apresenta tonalidades de preto, isto é, o local onde os raios X puderam ultrapassar completamente. Já o termo "radiopaco" é utilizado para descrever uma estrutura que se apresenta tonalidades de branco nas radiografias. Imagens radiopacas são evidentes tanto em tecidos moles quanto duros, o que representa características de normalidade. Não obstante, imagens radiopacas podem provir de aumentos do grau de mineralização, aumentos de espessura, superposições de duas ou mais estruturas, calcificações de tecidos moles, restaurações ou outros corpos estranhos.

Tomada radiográfica no sentido ântero-posterior, mostrando  o fêmur (F), o tíbiotarso (T) e a fíbula (B). As tonalidades de branco a cinza-claro são denominadas "radiopacas" e as de cinza-escuro a pretas, "radiolúcidas"

 

Tomada radiográfica lateral evidenciando a superposição da fíbula com o tíbiotarso (seta), alvo de nossa exploração cirúrgica.

 

 

CIRURGIA E PATOLOGIA

No ato cirúrgico, um procedimento indevido, como um corte ou uma sutura inadequados, pode levar a um processo inflamatório, além de resultar em danos na reparação tecidual, o que culminará na má cicatrização do tecido trabalhado.

Outros procedimentos, como injeções anestésicas demasiadamente rápidas ou em quantidades muito grandes, podem também provocar rompimento dos tecidos, dada a excessiva pressão, provocando áreas inflamadas e foco de necrose tecidual. Cabe considerar que toda a área da boca onde o cirurgião-dentista atua se constitui de estruturas nobres e ricamente vascularizadas, exigindo extremo cuidado na sua manipulação, já que qualquer descuido pode provocar o rompimento de algum tecido, gerando conseqüências locais.

 

Inflamação

Trata-se de uma reação local dos tecidos vascularizados à agressão, envolvendo respostas celulares e liberação de mediadores químicos. Associam-se a essas respostas sinais como RUBOR, TUMOR, CALOR, DOR e PERDA DA FUNÇÃO. Independentemente do agente agressor, o processo inflamatório segue um curso inespecífico, sempre.

Os principais fenômenos observados na resposta inflamatória são as alterações vasculares, incluindo mudanças no fluxo, calibre dos vasos e pressão sanguínea. Além disso, ocorre aumento da permeabilidade vascular (que leva a um evidente edema), devido à liberação de mediadores farmacológicos como bradicinina, histamina e componentes do sistema complemento.

Dentre os fenômenos celulares observados, tem-se a migração de leucócitos e a quimiotaxia.

O processo pode ser agudo ou crônico. O processo agudo tem evolução rápida, com predominância de vasodilatação, edema e presença de neutrófilos. Já o crônico apresenta alterações exsudativas, com predominância de mononucleares.

 

Funções da Inflamação

A inflamação representa um desenvolvimento biológico de resposta tecidual inespecífica à agressão.

O edema diluirá toxinas e substâncias nocivas. Os anticorpos e as proteínas terão ação protetora, enquanto a fibrina formará uma malha que propiciará bloqueio linfático, fazendo com que o processo restrinja-se a uma área. Os leucócitos, influenciados por componentes teciduais e plasmáticos, exercerão fagocitose. Na verdade, nada de novo agrega-se ao local; há apenas, uma zona de forte aumento de atividade celular e metabólica.

 

Fatores que modificam a reação inflamatória:

A Intensidade e quantidade do agente, assim como o Tempo de exposição são fundamentais na modulação da resposta inflamatória. Outros fatores, como Características próprias do agente (natureza bacteriana, virótica ou farmacológica), Capacidade invasiva e de bloqueio linfático são também importantes fatores ligados ao agente.

Ligados ao indivíduo temos seu estado de saúde, assim como estado nutricional e alterações hormonais.

 

 

Reparação

A reparação é o fenômeno de reposição tecidual que ocorre sempre que um tecido for seccionado. Pode se dar através da proliferação celular ou da adaptação das células à nova situação.

Na restituição tecidual podem ser observados:

  • contração, que é a readaptação mecânica das células à nova situação tecidual;

  • regeneração, que se trata da substituição do tecido perdido através da proliferação de tecido semelhante;

  • cicatrização, seria a substituição por tecido conjuntivo.

 

Cicatrização

Trata-se de um tipo de reparação feita através do tecido conjuntivo não-especializado. Em cirurgia, os processos de cicatrização podem ocorrer de duas maneiras distintas:

  • cicatrização por primeira intenção: é a provocada por uma lesão linear feita pelo bisturi, em que há a formação de pouca quantidade de tecido fibroso. Além disso, ocorre quando as bordas do tecido foram bastante aproximadas no ato da sutura.

  • cicatrização por segunda intenção: trata-se daquela provocada por lesões maiores, com grande perda de substância tecidual ou, cirurgicamente, quando as bordas do tecido mantiveram-se afastadas no ato da sutura. A cicatriz produzida, neste caso, é bastante volumosa e leva muito mais tempo para ser concluída.

Durante a cicatrização, pode ocorrer a contração do tecido de granulação devido à contração dos fibroblastos. Contraindo-se a zona de cicatrização o processo ocorrerá mais rapidamente, pois o volume a ser reposto será menor; além disso, a cicatriz será menor e o resultado estético, melhor.

 

Fatores que alteram a reparação

Dentre tais fatores, temos o tipo de agente, a contaminação da cicatriz, a irrigação sanguínea e traumas sobre a zona de reparação. Ligados ao indivíduo, temos fatores importantes, tais como o estado fisiológico e nutricional e a presença de outra ferida.

 

Possíveis complicações

O processo de cicatrização pode passar por complicações tais como: infecções, inclusão de cistos, dor, alterações pigmentares, além de retração ou contratura. Em geral, elas levam a um retardamento do processo cicatricial, resultando em cicatrizes volumosas e anti-estéticas.

 

Para mais informações sobre inflamação e reparação, consulte nosso "site de patologia geral.